Desastres Raros e a Oportunidade no Mercado de Ativos Financeiros
Um dos principais argumentos para se investir em bolsa é o fato de que, nos últimos 100 anos, nas principais economias do mundo, as ações renderam, em média, 7% a.a. a mais que os títulos governamentais. O primeiro trabalho a documentar essa histórica superioridade brutal do retorno das ações foi Mehra e Prescott, em 1985. A diferença é tão expressiva e de difícil conciliação com a teoria econômica à época vigente, que os economistas cunharam o seguinte termo para descrevê-la: “Enigma dos Retornos Exacerbados das Ações”.
Ao longo dos anos que se seguiram, muita teoria econômica foi escrita para conciliar os retornos exacerbados das ações em prazo longo. As principais explicações para o fato tiveram duas vertentes principais: (i) a explicação comportamentalista, baseada, principalmente, na Teoria do Prospecto, criada por Khaneman (Nobel em 2002) e Tversky, e (ii) a lógica dos desastres raros, promovida pelo professor de Harvard Robert Barro a partir de 2005.
A explicação comportamentalista, mais combatida inicialmente, mas hoje com muitos adeptos, se baseia na ideia de que as pessoas detestam perder, proporcionalmente mais que do que gostam de ganhar. Mais especificamente, perder R$100 deixa os indivíduos proporcionalmente mais tristes do que se ganhassem essa mesma quantia. Além disso, essa diferença se aprofunda quanto maior o valor envolvido – pense em perder milhões versus ganhar milhões.
As ações são ativos de alta volatilidade e risco de perdas momentâneas grandes, portanto, seguindo a lógica comportamentalista de que pessoas detestam desproporcionalmente perder a ganhar, ações tem que ser negociadas no mercado com desconto. Se elas são negociadas por menos do que valem, elas exibem, no longo prazo, retornos extraordinários. Outro componente comportamentalista que amplifica esse efeito é o fato de que os indivíduos esquecem de riscos que não aconteceram recentemente. Em geral, só se compra seguro contra enchente depois de uma grande enchente. Então, quando faz muito tempo que uma crise ocorreu, o desconto necessário para as pessoas quererem carregar as ações diminui e, por isto, elas sobem de preço. Por esse efeito, o pior momento para deixar de ter ações em seu portfólio é logo após uma crise.
A explicação dos desastres raros não depende de hipóteses sobre o comportamento humano quanto a ganhos e perdas. Ela trabalha com a lógica de que esse retorno superior das ações é necessário porque acontecem desastres raros e, nesses momentos em que você mais precisa de recursos, eles estão em ativos que perdem valor profundamente. No século XX, tivemos a grande depressão de 29, a guerra civil espanhola, as Grande Guerras mundiais, eventos que destruíram capital profundamente e reduziram o PIB dos países entre 15% a 64% no ano em que ocorreram. Barro estimou que a probabilidade de um desastre raro é pouco menor de 2% ao ano e, ao se colocar isso na conta, as ações não tem retorno extraordinário, mas sim um desempenho justo.
Ao que tudo indica, estamos vivendo exatamente um desastre raro causado pelo COVID-19, evento que acontece em média a cada 50 anos. É fato que haverá destruição de capital – e os preços dos ativos já reflete isso em boa medida. Mas, como todos os outros desastres raros, esse também irá passar e as empresas voltarão a gerar lucro e retornos extraordinários. Elas ficarão em preços relativamente promocionais até que a memória do desastre comece a se perder. Nesse sentido, como investidores, é hora de, com muita prudência e boa análise, irmos às compras de ações de boas empresas que sairão desse choque mais fortes e oferecendo alto retorno.